Estas três divindades eram, como seu próprio pai, imaculado. Brahma, o primogênito, teve por tarefa a criação de todo o universo; o segundo, Vishnu, dedicou-se á conservação e cuidado da obra de seu irmão; enquanto que o mais difícil de todos os trabalhos, coube a Shiva.
- Eu modelo os mundos disse Brahma - para que todas as almas manifestadas tenham a oportunidade de cumprir seu ciclo e retornar à Consciência de nosso Pai Celeste. E por esta razão que crio estrelas e gotas de orvalho, e algum dia, todos seremos novamente UNO. Tempo e Espaço poderão então descansar, pois ninguém necessitará deles.
- Eu cuido da tua obra - falou Vishnu -, e velarei por ela dia após dia, minuto após minuto, para que se mantenha tal qual tu a criaste. Não terei sossego enquanto existir uma só criatura que deva transitar pela "casa das formas" em busca da essência de nosso Divino Pai.
- E tu Shiva? - interrogaram ao terceiro.
- Meu papel é muito difícil, queridos irmãos. Os homens que me contemplam, mas que permanecem aferrados á matéria, verão em mim seu destruidor, porque certamente serei eu quem levará suas almas de regresso ao reino de nosso Senhor. Os sábios, em troca, amar-me-ão buscando-me; e eu, prazeroso, procurá-los-ei para orientá-los no caminho de retorno àquele mundo do qual jamais voltarão; mundo esse que só podem habitar os homens que alcançaram o supremo estado de perfeição espiritual.
- Sim - disse Vishnu - teu trabalho é árduo, e poucos poderão entendê-lo. Deverás ensinar aos homens que todo este universo criado por Brahma, e custodiado por mim, é pálido reflexo do outro, o real, que mora no coração de nosso Pai. Deverás fazer com que entendam que, ficar apegado a estas formas plasmadas por nós, é pueril. O sábio vê o intimo das coisas, e se une á Essência Suprema da qual tudo isto provém.
Assim foi sempre, e o é ainda agora. Enquanto Brahma cria o cosmos, Vishnu o protege, e Shiva ensina ao coração de todas as coisas, o meio pelo qual atingir a divina meta. Shiva, deus da Misericórdia e do Amor, com infinita ternura, alerta os homens para não se extraviarem na busca daquela Essência Suprema.
Os sábios contam que numa ocasião, quando Shiva estava absorto em profundas meditações, pareceu-lhe por um instante que todos haviam abandonado suas formas materiais; não existiam já nem pássaros, nem estrelas, nem homens, pois tinham-se convertido nesse Grande Desconhecido. Ao ver a criação reintegrada a seu primeiro lar, sentiu-se tão feliz que, no meio do vazio infinito, começou a dançar. Essa maravilhosa dança de Shiva é evocada ainda hoje, em toda a Índia; assim, uma vez por ano os monges a representam, querendo significar com isto que chegará o dia em que o universo inteiro tornar-se-á uma Única Realidade.
Shiva nada pede a seus devotos; uma vareta de incenso, uma flor ou uma simples oração é suficiente para louvá-lo. Todavia, para ele também são louvores as lágrimas de todos os que sofrem as misérias da vida terrestre.
Existe uma árvore que particularmente aprecia, e sob sua generosa sombra costuma abstrair-se em longas meditações. Na Índia chamam-na bael, e os devotos do Misericordioso depositam aos pés de suas estátuas, flores, folhas e pequenas lascas dessa madeira.
Diz a tradição que um dia, quando Shiva orava ao Deus Supremo, foi atacado por uma quadrilha de ladrões que, o desconhecendo e acreditando que fosse um rei, não por suas roupas, mas por seu porte, golpearam-no com bastões de bael para roubar-lhe o dinheiro que, imaginavam, possuía. Shiva não interpretou este ato como uma agressão; ao contrário, pensou que se tratava de devotos que lhe ofertavam pedaços daquela madeira, de um modo muito particular; entretanto, o único que pareciam conhecer. Nem por um instante cogitou em castigá-los, e sim agradeceu-lhes a dádiva de seu amado lenho. Os ladrões fugiram espavoridos, pois não compreendiam como alguém podia sorrir e agradecer cada golpe que recebia.